Transtornos mentais são causados por uma combinação de fatores, mas ser alvo de haters na internet pode ser a gota d'água para quem está vulnerável, dizem especialistas. Procurar ajudar imediatamente é fundamental. Luísa Sonza deu um tempo das redes sociais por causa de ataques
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"Foi uma fuga", explicou a cantora Luísa Sonza ao voltar às redes sociais depois de ficar um mês longe para escapar dos ataques na internet.
Ela disse à TV Globo que esses ataques sempre aconteceram, mas que tudo ficou mais pesado depois que se separou do humorista Whindersson Nunes, no começo do ano passado.
E saiu de vez do controle pouco mais de um ano depois, quando o filho recém-nascido de Whindersson com sua nova mulher nasceu prematuro e morreu.
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Por um motivo inexplicável, os haters — como chama quem espalha ódio (hate, em inglês) na internet — partiram para cima de Luísa, que teve depressão, pânico e ansiedade.
"Gente, pelo amor de Deus, parem com essa história, ninguém aguenta mais", a cantora suplicou no Instagram, aos prantos.
A sua equipe anunciou pouco depois que ela ia dar um tempo das redes sociais para cuidar da sua saúde.
Casos assim estão ficando comuns. Uma pessoa de repente entra na mira de uma turba virtual que dispara mensagens, fotos, hashtags e até ameaças de agressão e morte contra seu alvo da vez.
Essa campanha de ódio pode acabar se tornando um gatilho para crises de saúde mental e levar até mesmo ao suicídio — assunto que é alvo da campanha de prevenção Setembro Amarelo.
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Em vários casos, a razão de tanto ódio pode ser absurda. Para Ana Vilela, foi sua música Trem Bala, balada que virou hit com sua melodia suave e uma letra que transborda afeto.
A cantora disse que foi chamada até de nazista por causa da canção e pediu para que não mandassem mais nada assim para ela.
"Tenho depressão e não gostaria de ouvir de mais alguém além da minha própria cabeça dizendo que meu trabalho é um lixo", desabafou há alguns dias atrás.
"Eu nunca vou saber lidar com o hate."
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Ataques na internet estão ficando mais graves
O ódio está piorando na internet — e não é só pra quem é famoso, não.
Uma pesquisa do instituto de pesquisa Pew, dos Estados Unidos, mostrou que quatro em cada dez americanos já foram alvo de algum tipo de abuso ou agressão na internet.
Entre os mais jovens, os ataques virtuais são ainda mais comuns: seis em cada dez pessoas com menos de 30 anos disseram ter passado por isso.
Além disso, os abusos considerados mais graves, como ameaças de agressão, perseguição e abuso sexual, ficaram mais frequentes.
E, em três de cada quatro casos, as pessoas foram atacadas através das redes sociais.
"As redes sociais têm esse poder de afunilar e amplificar algumas vozes e ser uma forma pela qual o discurso de ódio se espalha", diz o psicólogo Breno Vieira, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
As redes sociais "são um instrumento para dar vazão a esse ódio", concorda o psiquiatra Fernando Fernandes, da Universidade de São Paulo (USP). "É como o ódio se materializa."
Em casos assim, o ódio pode desencadear uma crise de depressão e outros transtornos mentais.
É importante dizer que a ciência ainda não consegue cravar qual é a exata relação entre as redes sociais e a saúde mental.
Há estudos que apontam que há uma correlação entre o uso de redes sociais e ter depressão, por exemplo. Mas, como qualquer bom cientista vai dizer, correlação não é o mesmo que causa.
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Outro ponto importante: a depressão e outros transtornos mentais têm uma série de causas combinadas, que passam pela genética, o ambiente social e o histórico de vida de uma pessoa.
Mas essas campanhas de ódio são um fenômeno à parte em que o mal que as redes sociais podem causar é inegável.
Primeiro porque, dentro ou fora da internet, ser vítima de ataques assim é um dos motivos que leva uma pessoa a ter transtornos mentais, explica Vieira.
Com as redes, "criaram uma nova forma de cometer esses abusos", diz o psicólogo, que coordena o Laboratório de Pesquisa em Diferenças Individuais e Psicopatologia da PUC-Rio.
O ódio ganhou outra dimensão com as redes sociais
Mas a mídia social fez esse problema ganhar outra dimensão, porque alguém se expõe a milhares de pessoas ao mesmo tempo.
"A mídia social intensificou aquele processo normal do nosso desenvolvimento, de ter nossas ações aprovadas e desaprovadas pelas outras pessoas. Isso se multiplicou e ficou desorganizado. Se uma pessoa viraliza de repente, ela está preparada para lidar com isso?", questiona Fernandes.
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O ginasta Arthur Nory notou que houve uma mudança de uns tempos para cá. Ele e seus colegas apareceram em 2015 em um vídeo fazendo piadas racistas com o atleta Angelo Assumpção, que é negro.
Nory reconheceu o erro e pediu desculpas na época — e teve de fazer isso mais algumas vezes desde então, sempre que o caso voltou à baila de alguma forma.
Inclusive às vésperas dos últimos Jogos Olímpicos de Tóquio, no qual o ginasta, que foi bronze na Rio 2016, teve um desempenho aquém das expectativas.
"Em 2016, eu não passei por isso, não estava tendo tudo isso. Agora, com a internet, com toda essa visibilidade, o ódio vem muito grande. Vem ameaça, vem xingamento, vem tudo. E bloqueia. E suspende. Fica fora das redes sociais para se blindar, mas é isso. É pegar minha família, meus amigos aqui, minha equipe, a comunidade da ginástica, que estão comigo todo dia, é seguir", disse ele ao UOL.
Tem ainda outra diferença com o que acontecia antes das redes sociais.
Uma pessoa que era escrachada na escola ou no trabalho tinha normalmente em sua casa um espaço livre desses abusos.
Agora o ódio vai junto para a casa com a vítima. Está sempre no bolso ou na bolsa, nas pontas dos dedos, a postos no celular.
Isso tem deixado muitas crianças e adolescentes depressivos e ansiosos, diz Fernandes.
"O bullying sempre foi terrível, mas antes a vítima tinha certa resiliência porque ficava naquele contexto da escola. Agora, tem outra proporção", afirma o psiquiatra.
Lucas Santos, de 16 anos, se matou depois de ser xingado, ofendido e ameaçado por causa de um vídeo que ele e um amigo fingiam que iam se beijar.
"Ele postou um vídeo no TikTok, uma brincadeira de adolescente com os amigos, e achou que as pessoas fossem achar engraçado, mas não acharam. Como sempre elas destilaram ódio na internet. Como sempre as pessoas deixaram comentários maldosos. Meu filho acabou tirando a vida. Eu estou desolada, acabada, sem chão", desabafou sua mãe, a cantora Walkyria Santos, no Instagram.
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Procure ajuda
Walkyria explicou que seu filho já tinha dado sinais de estava com algum problema e que tentou ajudar Lucas o levando a um psicólogo. Ela acredita que os comentários homofóbicos o levaram além do seu limite.
"Ser vítima de ataques nas redes sociais pode ser a gota d'água para uma pessoa que já tinha outras vulnerabilidades", diz Breno Vieira, da PUC-Rio.
"Isso puxa um fio que acaba em um quadro de depressão. Não é só por esse motivo, mas é uma peça do quebra-cabeça, é a experiência que serve de faísca."
Uma pessoa deprimida costuma perder o interesse pelas suas atividades cotidianas. Fica triste e desanimada por mais do que alguns dias.
Pode ter problemas para dormir ou perder o apetite. Nos casos mais graves, chega a pensar em suicídio.
"As críticas podem nos abalar profundamente, mas quando isso deixa a gente inoperante é sinal de que tem algo errado e precisa procurar ajuda", diz Fernando Fernandes, da USP.
"Transtornos mentais são problemas de saúde e precisam ser tratados", reforça Vieira.
"É como se você tivesse quebrado o braço ou sofrido uma queimadura. Você pode tentar se tratar em casa, mas é melhor procurar um profissional. Se uma pessoa pensa em morrer, é como quando alguém está com Covid e sente falta de ar: tem que procurar ajuda o quanto antes."
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda no Centro de Valorização da Vida e o Centro de Atenção Psicossocial (CAP) da sua cidade.
O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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